Illness name: fumaca incendio

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Índice
1. Introdução
2. Riscos da fumaça de incêndio
2.1. a. Lesão térmica pela fumaça
2.2. b. Asfixia
2.3. c. Lesão das vias aéreas por substâncias químicas inaladas
3. Tratamento imediato do paciente com inalação de fumaça
4. Seguimento do paciente
5. Tratamento tardio
6. Sequelas da exposição à fumaça de incêndios

Introdução

Em situações de incêndio, a maioria das pessoas automaticamente relaciona as mortes e os ferimentos com as queimaduras pelo fogo. Entretanto, a principal causa de morte e necessidade de internação hospitalar de indivíduos expostos a incêndios ocorre devido às injúrias causadas pela inalação de fumaça. Cerca de 80% dos óbitos são por inalação de vapores e produtos químicos, principalmente monóxido de carbônico e cianeto.

Neste artigo vamos discutir os principais problemas de saúde que ocorrem em pessoas expostas à fumaça de grandes incêndios. Se você está à procura de informações sobre queimaduras de pele, leia: QUEIMADURAS – Cuidados, graus e complicações.

Riscos da fumaça de incêndio

A fumaça originada da combustão pode causar morte ou graves lesões por 3 mecanismos básicos: injúria do trato respiratório pelo calor do ar respirado, asfixia por falta de oxigênio e irritação direta da árvore pulmonar pelas substâncias químicas inaladas.

a. Lesão térmica pela fumaça

As lesões térmicas pela fumaça, ou seja, as queimaduras causadas pelo calor da fumaça nas vias aéreas, geralmente se limitam à região da orofaringe. O contato das vias respiratórias com ar muito quente estimula o fechamento da glote, diminuindo a passagem de calor para dentro dos pulmões.

Outro fator de proteção é a elevada dissipação de calor no trato respiratório superior, que ajuda a reduzir a temperatura da fumaça antes desta chegar aos pulmões. Experimentos em animais mostram que fumaça inalada a 142ªC chega a arrefecer até 38ªC no momento em que alcança os brônquios principais, já não sendo mais capaz de queimar os pulmões. Uma exceção ocorre no caso de aspiração de calor úmido, como vapores, que conseguem manter-se quentes até os pulmões, podendo causar sérias lesões térmicas nos mesmos. O ar úmido quente é mais perigoso que o ar seco quente.

b. Asfixia

A lesão pelo calor pode provocar grave edema (inchaço) das vias aéreas, obstruindo a passagem do ar para os pulmões, de modo semelhante ao que ocorre em casos de alergia grave e edema de glote. Sem conseguir respirar, o indivíduo morre por asfixia.

A asfixia também pode ocorrer por outros motivos além da obstrução das vias áreas pelos inchaços das queimaduras. Como todos sabemos, para que ocorra combustão de qualquer substância é preciso haver consumo de oxigênio. Grandes incêndios em locais fechados, com pouca ventilação, consomem rapidamente uma grande quantidade de oxigênio. No ar ambiental que respiramos, cerca de 21% do volume é composto por oxigênio. Em incêndios, a concentração de oxigênio cai pela metade, sendo insuficiente para a oxigenação do sangue e das células, levando os pacientes à hipoxemia (falta de oxigênio no sangue).

Além da queda da concentração de oxigênio no ar, a aspiração de outras substâncias na fumaça, como monóxido de carbônico e/ou cianeto também podem provocar asfixia. O mecanismo é o seguinte:

As hemoglobinas são proteínas presentes nas hemácias (glóbulos vermelhos), responsáveis pelo transporte de oxigênio pelo sangue. As hemoglobinas vão aos pulmões, captam o oxigênio respirado e o leva em direção ao resto do corpo, de forma a oxigenar células e tecidos. Substâncias como monóxido de carbônico ou cianeto ligam-se às hemoglobinas e impedem que estas recebem o oxigênio dos pulmões. Uma molécula de monóxido de carbônico tem 240 vezes mais afinidade pela hemoglobina que a molécula de oxigênio, vencendo facilmente a disputa por um lugar nestas proteínas transportadoras. Em situações normais apenas 3% das hemoglobinas estão ligadas a monóxido de carbônico. Fumantes costumam ter cerca de 10% das sua hemoglobinas ocupadas. Já pacientes expostos a incêndios, habitualmente, têm mais de 25% das suas hemoglobinas incapazes de transportar oxigênio.

O cianeto age de forma semelhante ao monóxido de carbônico, sendo considerado uma das substâncias mais venenosas que conhecemos. Gases de cianeto são produzidos a partir da combustão de materiais como lã, seda, poliuretanos, poliacrilonitrilas, náilon, resinas de melamina e plásticos.

Resumindo: o ambiente tem oxigênio, o paciente consegue respirá-lo, mas os pulmões não conseguem levá-lo ao sangue, às células e aos tecidos do organismo, pois as hemoglobinas estão “ocupadas”, preenchidas com outras substâncias.

c. Lesão das vias aéreas por substâncias químicas inaladas

A fumaça de um incêndio é uma mistura de partículas e de gases aquecidos, sendo impossível saber exatamente a sua composição. Os produtos que estão sendo queimados, a temperatura do incêndio e a quantidade de oxigênio disponível para combustão podem alterar o tipo de fumaça produzida.

Em geral, nas fumaças há grande quantidade de substâncias irritativas às mucosas do sistema respiratório. Exemplos de irritantes químicos encontrados em incêndios incluem: dióxido de enxofre, amoníaco, cloreto de hidrogênio e cloro. Estas substâncias, quando em contato com as mucosas da árvore respiratória, provocam intensa reação inflamatória, levando à extravasamento de líquidos, formação de edemas, produção de muco, descamação do epitélio, morte celular e necrose do tecido pulmonar. Todos esses eventos contribuem para uma menor capacidade de funcionamento do pulmão, podendo causar insuficiência respiratória aguda.

Tratamento imediato do paciente com inalação de fumaça

Todo indivíduo exposto a um incêndio deve receber os primeiros atendimentos médicos já no local do acidente. É importante avaliar o padrão respiratório e as condições da orofaringe. Como o edema das vias respiratórias se desenvolve rapidamente e pode ocluir de forma total a passagem de ar, os médicos devem decidir se há necessidade ou não de intubar o paciente de forma a garantir a permeabilidade das vias respiratórias. É primordial impedir a insuficiência respiratória, pois esta é a principal causa de mortes em pacientes que envolvidos em incêndios.

A intubação se justifica se qualquer um dos seguintes sinais estiverem presentes: estridor ao respirar, uso intenso da musculatura abdominal e torácica para conseguir respirar, dificuldade respiratória, hipoventilação, queimaduras profundas no rosto e/ou no pescoço, formação de bolhas ou edema da orofaringe. Todas essas situações indicam elevado risco de grave lesão das vias respiratória, com iminente insuficiência respiratória.

Os pacientes que sabidamente foram expostos à fumaça, mas não apresentam estes sinais de gravidade devem ser observados por 24 horas, pois o edema das vias aéreas pode demorar algumas horas para surgir. Qualquer pessoa exposta à fumaça por mais de de 10 minutos deve ficar em observação.

Todos os indivíduos expostos a fumaça devem receber suplementação de oxigênio a 100% (lembre-se que o ar que respiramos é oxigênio a 21%). Este grande volume de oxigênio serve para reverter a hipoxemia causada pelas baixas concentrações de oxigênio nos incêndios e para aumentar a competição pela hemoglobina contra o monóxido de carbônico e o cianeto.

Pacientes queimados e expostos à fumaça devem ser preferencialmente tratados em unidades de terapia intensiva especializada em grandes queimados. O rápido atendimento por médicos acostumados a lidar com esse tipo de lesão é importante para reduzir o risco de morte.

Seguimento do paciente

Nas primeiras horas o edema das vias respiratórias e a hipoxemia são as principais causas de morte. Após 12 a 36 horas de exposição à fumaça, os pacientes começam a desenvolver os sintomas relacionados à irritação das vias aéreas por substâncias químicas. Dificuldade respiratória, sibilos (chiado no peito) e tosse com grande produção de muco são sinais de irritação e injúria dos brônquios e alvéolos pulmonares.

Nos pacientes com grave intoxicação por monóxido de carbônico, tratamento com oxigênio hiperbárico pode estar indicado. A administração de oxigênio a 100% em altas pressões ajuda a deslocar o monóxido de carbônico das hemoglobinas, melhorando o estado de oxigenação sanguínea. O oxigênio hiperbárico acelera em até 5x a eliminação do monóxido de carbônico das hemoglobinas.

Tratamento tardio

Se tiver ocorrido grave lesão da árvore traqueobrônquica, os tecidos necrosados começarão a se desprender em 3 ou 4 dias. O aumento das secreções e o acúmulo de tecido morto põe o paciente em risco elevado de obstrução das vias respiratórias.

A infecção do pulmão por bactérias se torna propícia, sendo a pneumonia uma complicação comum nestes pacientes (leia: PNEUMONIA | Sintomas e tratamento ).

As secreções costumam diminuir dentro de 7 a 10 dias, se não houver desenvolvimento de infecção pulmonar.

A síndrome do desconforto respiratório agudo (SARA ou SDRA) pode surgir vários dias após a exposição à fumaça. Este é um quadro que ocorre por intensa atividade inflamatória dos pulmões, havendo grande extravasamento de líquidos para dentro das vias respiratórias e insuficiência respiratória aguda.

Sequelas da exposição à fumaça de incêndios

A maioria dos pacientes que sobrevive não sofre graves sequelas a longo prazo. Porém, há pacientes que apresentam lesão permanente das cordas vocais, mantendo-se roucos; outros pacientes queixam-se de falta de ar por tempo prolongado, principalmente durante esforço físico. Os pacientes com lesão pulmonar por substância químicas são aqueles com maior risco de terem sequelas a longo prazo.

Pessoas que demoraram a receber tratamento adequado e tiveram hipoxemia prolongada podem apresentar lesões neurológicas devido à má oxigenação cerebral. A instituição precoce de oxigênio hiperbárico (nas primeiras 6 horas) parece reduzir os risco de lesão neurológica.

Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.