Illness name: anorexia nervosa

Description:

Índice
1. Introdução
2. O que é anorexia nervosa?
3. Anorexia e anorexia nervosa são a mesma coisa?
4. Diferenças entre bulimia e anorexia nervosa
5. Fatores de risco
6. Sinais e sintomas
6.1. Características comportamentais associadas à anorexia nervosa
6.2. Alterações físicas comuns da anorexia nervosa
7. Complicações
7.1. Sistema cardiovascular
7.2. Sistema reprodutor
7.3. Sistema musculoesquelético
7.4. Sistema endocrinológico
7.5. Sistema gastrointestinal
7.6. Sistema renal
7.7. Sistema hematológico
7.8. Sistema neurológico
8. Tratamento
8.1. Reabilitação nutricional
8.2. Terapia cognitiva comportamental (TCC)
8.3. Medicamentos
9. Prognóstico
9.1. Suicídio
10. Referências

Introdução

A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar potencialmente fatal caracterizado por baixo peso corporal, intenso medo de ganhar de peso, percepção distorcida do próprio peso e forma e hábitos dietéticos que provocam restrição na ingestão de calorias.

Apesar de ser um distúrbio psiquiátrico, a anorexia pode causar graves alterações físicas. A desnutrição provocada pela doença pode ser grave o suficiente para causar problemas em diversos órgãos, incluindo coração, sistema nervoso e rins.

Apesar da alta taxa de mortalidade, com o tratamento adequado, 3 em cada 4 pacientes apresentam melhora do quadro, conseguindo normalizar o peso e manter um consumo aceitável de calorias diárias.

O que é anorexia nervosa?

A anorexia nervosa é uma doença que faz parte do grupo de patologias psiquiátricas chamado de transtornos alimentares. A anorexia acomete cerca de 1% das mulheres e 0,3% dos homens, sendo mais comum nas classes sociais mais altas, em brancos e nos jovens. A doença raramente surge antes da puberdade ou depois dos 40 anos de idade.

Além do baixo peso corporal, as características mais típicas do paciente com anorexia nervosa são o medo intenso de se tornar gordo e a errada percepção da própria forma, achando-se gordo mesmo quando já se encontra abaixo do peso considerado saudável.

Visando perder peso (ou evitar o seu ganho), as pessoas com anorexia geralmente restringem gravemente a quantidade de comida que consomem, mesmo estando famintas. De forma a auxiliar a limitação de calorias ingeridas e na perda de peso, muitos pacientes lançam mão de subterfúgios, tais como: abuso de laxantes, indução do vômito após terem comido, uso abusivo de diuréticos, uso de enemas, prática frequente e prolongada de exercícios físicos e adoção de dietas extremamente restritivas e de baixa caloria.

A anorexia nervosa pode ser dividida em dois subtipos:

  1. Subtipo restritivo: o principal meio para perda de peso é através da relevante limitação do consumo de alimentos e da prática excessiva de exercícios físicos. Não há episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo, como indução de vômitos, uso de laxantes ou diuréticos.
  2. Subtipo compulsão alimentar purgativa : episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa, com vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas como meio para impedir ganho de peso.

Anorexia e anorexia nervosa são a mesma coisa?

Apesar de a doença anorexia nervosa ser frequentemente chamada apenas de anorexia, isso não é muito adequado do ponto de vista acadêmico. “Anorexia” é um termo de origem grega que significa literalmente “ausência de apetite”. O problema é que os pacientes com anorexia nervosa costumam ter o apetite preservado. Eles sentem fome, mas não comem adequadamente porque têm pavor de ganhar peso.

Portanto, como anorexia é um termo inapropriado nessa situação, muitos autores sugerem que utilizemos a palavra “anorexia” de forma isolada somente quando o objetivo for descrever o sintoma “perda do apetite”. Por outro lado, quando o objetivo for falar do distúrbio alimentar que se caracteriza por baixo peso corporal e restrição intencional da alimentação por intenso medo de ganhar peso, o termo mais correto seria “anorexia nervosa”.

Como esse artigo é voltado para o público leigo, não vou me prender a preciosismos acadêmicos e usarei ao longo do texto os termos “anorexia” e “anorético” como sinônimos para “anorexia nervosa” e “pacientes portadores de anorexia nervosa”, respectivamente.

Diferenças entre bulimia e anorexia nervosa

A distinção entre anorexia nervosa e bulimia nervosa pode ser difícil em alguns casos, pois há considerável sobreposição de sintomas nos pacientes com o subtipo compulsão alimentar purgativa.

Um dos principais fatores que diferenciam a anorexia da bulimia é o peso do paciente. Indivíduos com bulimia nervosa apresentam habitualmente peso corporal normal ou pouco acima do normal (IMC ao redor de 25 kg/m²). Por outro lado, o paciente anorético é tipicamente muito magro, com peso abaixo do considerado normal (IMC abaixo de 18,5 kg/m²). Para saber mais sobre o peso ideal e o índice de massa corporal (IMC), leia: CALCULE O SEU PESO IDEAL E IMC .

Além disso, alguns pacientes anoréticos com o subtipo purgativo não apresentam a fase de compulsão antes da indução dos vômitos. Eles comem pouco e ainda assim sentem necessidade de induzir vômitos. Na bulimia nervosa, o paciente sempre tem uma fase de compulsão com ingestão de grande quantidade de alimentos antes de se sentir culpado e iniciar a fase de purgação.

Outro ponto importante é o fato dos pacientes com anorexia nervosa frequentemente apresentarem sequelas fisiológicas, como, por exemplo, anemia, alterações da pele e dos cabelos, redução da massa cardíaca e da densidade óssea e vários outros achados clínicos que não costumam estar presentes na bulimia nervosa.

Explicamos a bulimia nervosa em detalhes no artigo: BULIMIA NERVOSA – O que é, Sintomas e Tratamento .

Fatores de risco

Assim como ocorre na maioria dos transtornos mentais, não sabemos exatamente quais são as causas da anorexia. Sabemos, porém, que ela surge devido a uma combinação de fatores genéticos, psicológicos e ambientais.

Entre os principais fatores de risco para anorexia, destacam-se:

  • Sexo feminino.
  • Adolescência e fase adulta jovem.
  • História familiar de transtornos alimentares.
  • Ocupações que incentivam a magreza, como são os casos de atrizes, modelos e atletas de elite.
  • Viver em sociedades e culturas que valorizam excessivamente a magreza.
  • Pessoas ansiosas, depressivas ou com traços obsessivos.
  • Mudanças de vida que acarretam grande estresse psicológico, tais como falecimentos, separação ou mesmo mudança de cidade ou trabalho.

Aderir a dietas muito restritivas também parece ser um fator de risco. A fome e a perda de peso podem mudar a forma como o cérebro funciona em indivíduos geneticamente susceptíveis, o que pode perpetuar comportamentos alimentares restritivos e dificultar o retorno aos hábitos alimentares normais.

Sinais e sintomas

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) da Associação Americana de Psiquiatria, as três características clínicas essenciais da anorexia nervosa são:

  • Restrição da ingestão calórica em relação às necessidades do organismo, levando a um peso corporal significativamente baixo.
  • Medo intenso de ganhar peso ou de ficar gordo, o que leva a atitudes que impedem o ganho de peso, mesmo estando o paciente já com peso significativamente baixo.
  • Perturbação no modo como o próprio peso e a forma corporal são percebidos, influência indevida do peso ou da forma corporal na avaliação que o paciente faz de si mesmo ou ausência de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual.

Características comportamentais associadas à anorexia nervosa

Além das três características clínicas descritas acima, usadas como critérios para o diagnóstico da anorexia nervosa, o paciente também costuma apresentar uma série de outros sintomas psicológicos e comportamentais, incluindo:

  • Fixação e perseguição da ideia de ficar magro.
  • Preocupação obsessiva com comida (por exemplo, colecionar receitas, controlar o tipo de comida comprada e controlar o local onde se compra a comida).
  • Medo de certos alimentos considerados “engordantes”.
  • Repertório pequeno de alimentos considerados “não engordantes”.
  • Preferência por alimentos de baixa caloria.
  • Superestimação da quantidade de calorias consumidas.
  • Rituais estranhos relacionados à comida (por exemplo, cortar alimentos em pedaços muito pequenos ou recusar-se a misturar diferentes tipos ou cores de alimentos no prato).
  • Desconforto de comer na frente dos outros.
  • Inibição e retração social.
  • Rituais obsessivos relacionados ao exercício (por exemplo, obrigação de caminhar, correr ou nadar uma distância pré-determinada todos os dias, mesmo na chuva ou quando está machucado).
  • Vômito auto-induzido para se livrar de alimentos ingeridos.
  • Tentativas de purgação com uso abusivo de laxantes, enemas ou diuréticos.
  • Inquietação ou hiperatividade.
  • Pouca percepção ou negação da própria condição clínica.
  • Resistência ao tratamento.
  • Dificuldade para dormir.
  • Baixa libido.
  • Humor deprimido.
  • Pensamento inflexível (teimosia).
  • Perfeccionismo.
  • Incapacidade de aceitar mudanças no cronograma ou no ambiente.

Alterações físicas comuns da anorexia nervosa

A baixa ingestão crônica de calorias pode provocar diversos sinais e sintomas físicos no paciente. Os mais comuns são:

  • Magreza excessiva – IMC abaixo de 18,5 kg/m².
  • Cansaço fácil.
  • Hipotensão arterial.
  • Hipotermia.
  • Bradicardia (batimentos cardíacos lentos).
  • Batimentos cardíacos irregulares.
  • Tontura.
  • Fraqueza.
  • Coloração azulada dos dedos.
  • Cabelos fracos.
  • Pelugem macia por todo o corpo.
  • Constipação intestinal.
  • Dor abdominal.
  • Pele seca.
  • Pele amarelada.
  • Intolerância ao frio
  • Boca seca.
  • Inchaço dos braços ou pernas.
  • Dentes erodidos e calosidades nos dedos provocados por frequente indução de vômitos.
  • Dermatites.
  • Coceira.
  • Feridas que demoram a cicatrizar.
  • Acne.

Complicações

A anorexia nervosa pode provocar inúmeras complicações médicas que estão diretamente relacionadas à perda de peso e à desnutrição. Essas complicações afetam vários sistemas e órgãos, incluindo o sistema cardiovascular, reprodutor, endócrino, musculoesquelético e hematológico. As alterações mais comuns são:

Sistema cardiovascular

  • Diminuição e atrofia da musculatura cardíaca.
  • Redução da capacidade de enchimento dos ventrículos cardíacos.
  • Redução da contratilidade cardíaca.
  • Derrame pericárdico.
  • Prolapso da válvula mitral .
  • Arritmias cardíacas .

Sistema reprodutor

  • Anovulação (a paciente para de ovular todos os meses).
  • Amenorreia (ausência de menstruação).
  • Infertilidade.
  • Diminuição do tamanho do útero.
  • Diminuição do tamanho dos ovários.

Sistema musculoesquelético

  • Grande perda de massa muscular.
  • Osteopenia e osteoporose (redução da densidade óssea).
  • Aumento do risco de fraturas ósseas.
  • Restrição ao crescimento (nos pacientes jovens ainda em fase de crescimento).

Sistema endocrinológico

  • Redução na produção de testosterona e estrogênio.
  • Hipoglicemia .

Sistema gastrointestinal

  • Redução da motilidade dos intestinos.
  • Gastrite.
  • Gastroparesia (redução da velocidade de esvaziamento do estômago).
  • Diarreia por atrofia da mucosa intestinal.
  • Alterações das provas de função hepática (leia: O QUE SIGNIFICAM TGO, TGP, GAMA GT e BILIRRUBINA? ).

Sistema renal

  • Insuficiência renal.
  • Urina excessiva .
  • Hiponatremia (sódio sanguíneo baixo).
  • Hipocalemia (potássio sanguíneo baixo).
  • Hipofosfatemia (fósforo sanguíneo baixo).

Sistema hematológico

  • Anemia .
  • Leucopenia (redução do número de leucócitos – glóbulos brancos).
  • Trombocitopenia (redução do número de plaquetas).

Sistema neurológico

  • Atrofia cerebral.
  • Encefalopatias (redução do funcionamento cerebral).

Tratamento

Nos casos mais graves, nos quais o paciente encontra-se muito desnutrido e com IMC abaixo de 15 kg/m², ou quando há complicações graves, como hipotensão ou arritmias cardíacas, o tratamento costuma ser feito com internação hospitalar. Tratamento médico e psiquiátrico conjunto costumam ser necessários para estabilizar o paciente.

Se o paciente não apresenta risco de morte iminente, o tratamento pode ser feito de forma ambulatorial, com psicoterapia, reabilitação nutricional e medicamentos.

Reabilitação nutricional

Os objetivos da reabilitação nutricional são reverter as complicações médicas decorrentes do baixo peso e restaurar o peso adequado e os padrões normais de alimentação, interrompendo comportamentos problemáticos, como purgação.

O processo de realimentação deve ser iniciado lentamente, preferencialmente enquanto o paciente ainda está internado. O objetivo é corrigir os distúrbios hidreletrolíticos e aumentar lentamente a ingestão calórica diária para fazer com que o paciente ganhe entre 0,5 a 1 kg por semana até conseguir manter seu IMC acima de 19,5 kg/m².

A reabilitação nutricional precisa ser feita lentamente e por uma equipe de nutrição, de forma a reduzir o risco do paciente desenvolver a síndrome de realimentação, que é uma complicação de origem cardíaca que surge como resultado das rápidas alterações de fluidos e eletrólitos nos pacientes com grave desnutrição.

Terapia cognitiva comportamental (TCC)

A terapia cognitiva comportamental deve ser iniciada conjuntamente com a reabilitação nutricional. A TCC é uma forma de psicoterapia que combina terapia cognitiva e terapia comportamental, atuando sobre os pensamentos e crenças que o paciente tem em relação ao seu peso e forma corporal.

Outras formas de psicoterapia, como a terapia familiar e a psicoterapia psicodinâmica também podem ser utilizadas.

Medicamentos

Das três modalidades de tratamento, a farmacológica é o que apresenta menos evidências clínicas. Em geral, os medicamentos são usados ​​apenas para pacientes que não respondem ao tratamento conjunto com reabilitação nutricional-terapia cognitiva comportamental.

Boa parte da falta de resposta ao tratamento farmacológico reside na recusa dos pacientes em aceitar os medicamentos, particularmente aqueles cujos efeitos colaterais incluem ganho de peso. Essa recusa tem relação com a falta de reconhecimento da gravidade da doença por parte dos pacientes. Outro fator importante é a maior taxa de efeito colaterais que ocorre devido ao baixo peso.

O fármaco mais utilizado atualmente é o antipsicótico Olanzapina.

Prognóstico

Aproximadamente 50% dos pacientes anoréticos têm bons resultados, 25% têm resultados intermediários e 25% têm um desfecho ruim. Resultados ruins costumam estar associados a pacientes com longa duração de doença, idade mais elevada, grave desnutrição e associação com outros problemas psiquiátricos, como transtornos de humor, transtornos de personalidade e transtornos relacionados ao uso de álcool ou outras substâncias.

O paciente com anorexia nervosa tem uma taxa de mortalidade que é de 4 a 14 vezes maior que a população em geral. Complicações cardiovasculares são as principais causas de falecimento.

Suicídio

Cerca de 10 a 25% dos pacientes anoréticos apresentam pelo menos uma tentativa de suicídio durante o curso da doença. A taxa de morte por suicídio é 3 a 6 vezes maior que na população em geral.


Referências

  • American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5).
  • Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists clinical practice guidelines for the treatment of eating disorders – Australian and New Zealand Journal of Psychiatry.
  • Anorexia nervosa in adults: Pharmacotherapy – UpToDate.
  • Anorexia nervosa in adults: Clinical features, course of illness, assessment, and diagnosis – UpToDate.
  • Anorexia nervosa in adults and adolescents: Medical complications and their management – UpToDate.
  • Impaired decision-making in symptomatic anorexia and bulimia nervosa patients: a meta-analysis – Psychological Medicine.
  • Familial Liability for Eating Disorders and Suicide Attempts: Evidence From a Population Registry in Sweden – JAMA Psychiatry.
  • Anorexia Nervosa – Medscape.

Autor(es)

Dr. Pedro Pinheiro

Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.

Dra. Claudia Miliauskas

Médica psiquiatra e pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (LIPAPS). Professora assistente da Disciplina de Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FCM/UERJ). Coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ.